Durante o ano passado, as infra-estruturas de Gaza foram sujeitas a uma realidade devastadora.
O que antes funcionava sob pressão foi empurrado para além do ponto de colapso. As redes eléctricas, os sistemas de água, os hospitais, as estradas e os serviços municipais têm sido sistematicamente destruídos ou gravemente danificados, deixando a vida quotidiana definida pela sobrevivência.
Não é incomum que as famílias planejem seus dias em torno do som dos geradores, se houver combustível disponível. Pais e filhos fazem fila durante horas por alguns litros de água imprópria ou por um pacote de pão.
Os hospitais funcionam quase na escuridão, os médicos realizam procedimentos que salvam vidas usando telefones celulares para obter luz. As ruas que antes levavam as crianças para a escola estão reduzidas a escombros.
A realidade de Gaza é sempre dura
A vida em Gaza nunca foi fácil, mesmo durante os momentos que o mundo exterior classificou como “normais”.
Para a maioria das pessoas, a vida era vivida com constante incerteza. Você aprendeu a não planejar com muita antecedência, porque a calma era frágil, sempre temporária.
Houve dias com eletricidade, em que as ruas pareciam mais silenciosas e as famílias se permitiam uma pequena sensação de alívio, mas todos sabiam que ela poderia desaparecer a qualquer momento.
A infra-estrutura de Gaza reflecte isso. Já era frágil muito antes da última devastação da guerra genocida de Israel.
Décadas de bloqueio ilegal israelita, repetidos ataques militares e restrições rigorosas aos materiais de construção fizeram com que os sistemas estivessem sempre remendados, sempre a funcionar com tempo emprestado. Nada realmente recuperado.
Uma das perdas mais visíveis foi a eletricidade. Em toda a Faixa de Gaza, a escuridão não é uma exceção. A nossa única central eléctrica foi severamente danificada e desligada devido à escassez de combustível; perto de 80 por cento da transmissão de energia foi destruída.
Para as famílias, esta perda é sentida de forma pequena e implacável. Uma mãe carrega seu telefone sempre que o gerador de um vizinho liga brevemente, sabendo que essa pode ser sua única chance de entrar em contato com a família.
As crianças fazem o dever de casa à luz de velas, se é que o fazem. As geladeiras ficam inúteis, estragando a comida.
O acesso à água também se deteriorou acentuadamente. O bombardeio de Israel danificou poços, usinas de dessalinização e estações de bombeamento. Sem electricidade ou combustível, não é possível extrair ou distribuir água limpa.
Ao longo da nossa reportagem sobre a guerra genocida de Israel em Gaza, documentámos famílias fazendo fila com contentores de plástico, à espera de camiões-pipa que podem ou não chegar. Quando isso acontece, a água muitas vezes cheira a sal ou metal, com um sabor forte e desconhecido.
Muitos não têm escolha a não ser beber de qualquer maneira. As crianças adoecem com infecções estomacais. As erupções cutâneas se espalham. Lavar torna-se um luxo.
O efeito cumulativo: Paralisia
Os hospitais, antes sobrecarregados mas em funcionamento, funcionam agora em modo de crise. Durante o último mês de trabalho de campo, visitei muitas instalações médicas que foram danificadas ou totalmente fechadas.
Aqueles que ainda funcionam enfrentam grave escassez de medicamentos, equipamento, electricidade e pessoal.
Lembro-me da sensação de depressão que tive depois de visitar duas unidades de cuidados intensivos na Cidade de Gaza e na zona central da Faixa.
Ambos estavam superlotados, forçados a colocar dois pacientes em uma cama.
As máquinas de diálise operavam sob constante ameaça de perda de energia, assim como as salas de cirurgia que muitas vezes ficavam escuras no meio do procedimento.
O mais difícil de tudo é que as equipas médicas são muitas vezes forçadas a tomar decisões impossíveis sobre quem recebe cuidados e quem deve esperar.
Para além da saúde e dos serviços públicos, a destruição de estradas, instalações públicas e infra-estruturas municipais fraturou Gaza por dentro: ruas cheias de escombros, estradas inundadas de esgoto, ambulâncias lentas e entrega de ajuda.
A coleta de lixo cessou em grande parte, levando à propagação de doenças. A infra-estrutura de telecomunicações tem sido repetidamente interrompida, isolando famílias e isolando as pessoas dos serviços de emergência e do mundo exterior.
Há um efeito cumulativo da intensa campanha de bombardeamento de Israel – que está a ser levada a cabo deliberadamente para paralisar a vida quotidiana – porque os sistemas de infra-estruturas dependem uns dos outros.
Sem eletricidade, a água não pode ser bombeada. Sem combustível, os hospitais não podem funcionar. Sem estradas, a ajuda não pode chegar aos necessitados.
Cada colapso acelera o próximo, ao mesmo tempo que cria novas camadas de condições de vida difíceis.
À medida que o ano de 2025 se aproxima do fim, toda a infra-estrutura de Gaza já não suporta a vida normal; mal sustenta a sobrevivência.
Falar de reconstrução não significa simplesmente reconstruir edifícios, mas também restaurar sistemas que permitam às pessoas viver com dignidade: água potável, electricidade fiável, hospitais funcionais e serviços públicos básicos.
Até lá, os civis de Gaza continuam a suportar as consequências de mais um ano que abalou os alicerces da vida quotidiana.


















