A morte de Jane Goodall aos 91 anos parece que o dossel da floresta perdeu a árvore mais alta e mais abrigada. Sua vida era uma revolução na ciência, na narrativa e na maneira como os humanos se vêem em relação ao mundo natural.
Ao lembrar dela, somos lembrados não apenas de uma mulher extraordinária, mas do poder da paciência, empatia e defesa implacável na reformulação de nossa consciência coletiva.
Goodall não nasceu nos corredores da academia. Ela era uma jovem inglesa que carregava chimpanzés de pelúcia e sonhava com a África. Esse sonho, não convencional da época, levou -a ao Parque Nacional Gombe Stream, na Tanzânia, aos 26 anos. Lá, com pouco mais que um caderno e binóculos, ela começou as observações que mudariam a primatologia para sempre.
Seu mentor, Louis Leakey, acreditava que o estudo dos chimpanzés podia iluminar as origens humanas. Mas o que Goodall trouxe para o campo era algo mais radical: a insistência de que a ciência não exigia desapego emocional. Ela nomeou seus chimpanzés, reconheceu suas personalidades e ousou sugerir que os animais tenham mentes, sentimentos e complexidades sociais próprias.
Quando ela documentou os chimpanzés modificando palitos de cupins de peixes de montes, ela forçou o mundo científico a repensar um de seus limites definidores. Os seres humanos, ao que parece, não eram os únicos fabricantes de ferramentas. Essa descoberta abriu o pedestal em que nos colocamos. A linha entre “nós” e “eles” borrada.
Moldando uma nova ciência
Os métodos de Goodall foram demitidos a princípio. Mulher, jovem, sem diploma e mais interessado em relacionamentos do que dados brutos, ela era um alvo para a condescendência acadêmica. No entanto, ela persistiu.
Quando Cambridge concedeu a ela um doutorado em etologia-notavelmente, sem que ela tenha uma graduação-ela já havia construído um argumento para o estudo empático de longo prazo, imersivo e empático de sociedades animais. Gombe se tornou uma biblioteca viva, registrando décadas de comportamento de chimpanzé, da ternura materna a conflitos violentos.
Isso foi mais do que pesquisa. Foi uma reformulação ética do nosso lugar na ordem natural. Goodall argumentou que os animais não eram “coisas”, mas indivíduos com vidas que valem a pena viver. Nisso, ela antecipou e avançou conversas sobre direitos dos animais, ética em conservação e nossa responsabilidade em relação aos ecossistemas que nos sustentam.
Em 1977, Goodall fundou o Jane Goodall Institute, garantindo que seu trabalho se estendesse além de uma floresta e uma espécie. Com o tempo, ela se mudou da paciência silenciosa da observação para a alta urgência do ativismo, em campanha contra a destruição do habitat, a caça furtiva e o uso cruel de chimpanzés em entretenimento e pesquisa.
Ela estava entre as primeiras vozes importantes para vincular a conservação à comunidade, argumentando que não se pode salvar florestas sem trabalhar ao lado das pessoas que vivem dentro e ao redor deles.
Seu programa Roots & Shoots, lançado em 1991, capacitou jovens em todo o mundo a assumir projetos ambientais e humanitários. Hoje, abrange mais de 65 países, um testemunho vivo de sua crença de que a esperança está enraizada nas escolhas da próxima geração.
Em uma época em que a ansiedade climática geralmente parece paralisante, Goodall falou do espírito humano indomável, do poder dos jovens e da resiliência da natureza. Para ela, o desespero não era uma opção. Ela carregou essa mensagem incansavelmente, cruzando o mundo até os últimos anos, entregando palestras, escrevendo livros e pedindo governos, corporações e indivíduos a agir.
Sua advocacia não era simplesmente sobre chimpanzés – era sobre interconexão. Ela argumentou que cuidar de animais e cuidar das pessoas não eram tarefas separadas.
O impacto de Goodall está em toda parte. É em estratégias de conservação que priorizam o envolvimento da comunidade. É nos inúmeros cientistas, especialmente mulheres, que seguiram sua trilha até as florestas. É nas salas de aula onde as crianças aprendem a ver animais como seres, não objetos. É em políticas internacionais que reconhecem cada vez mais os direitos dos animais e a necessidade de preservar a biodiversidade.
Mas talvez seu maior presente tenha sido emocional: ela nos permitiu cuidar. Numa época em que a ciência se orgulhava de desapego, Goodall modelou a compaixão como uma metodologia. Ela mostrou que o amor e o rigor não são inimigos, mas aliados na busca da verdade. Sua vida era a prova de que a ciência poderia ser apenas sobre conhecimento, mas também sobre parentesco.
A morte de Goodall não é apenas o fim de uma vida. É um desafio para os vivos. Habitamos um mundo em que o desmatamento acelera, as espécies desaparecem e a crise climática se intensifica. Sua mensagem sempre foi de que as soluções existem – mas apenas se agirmos e agirmos juntos.
Ela acreditava que todo indivíduo importava, todas as opções eram importantes, todas as pequenas ações aumentaram. Sua vida é um lembrete de que a mudança geralmente começa com uma pessoa que ousa olhar de maneira diferente. De uma jovem, sem credenciais formais, observando chimpanzés em uma encosta, ela se tornou uma ícone global que mudou como bilhões entendem o relacionamento entre humanos, animais e terra.
Enquanto lamentamos Jane Goodall, também devemos ecoar sua determinação. Sua voz pode ter ido embora, mas suas palavras permanecem: que sempre há uma razão para a esperança, sempre um papel de compaixão, sempre que vale a pena fazer.
Se ouvirmos de perto – no farfalhar das florestas, no olhar de um chimpanzé, na determinação de jovens ativistas -, ainda podemos ouvi -la nos exortar adiante.
Uma de nossas árvores mais altas caiu. Agora cabe a nós garantir que a floresta que ela lutou continue a prosperar.