São Francisco, Califórnia – As memórias voltam em flashes: a noite negra, o frio cortante, as ondas escuras batendo na lateral do barco quando Tashina Banks Rama subiu a bordo.
Tashina era apenas uma criança quando tudo começou. Mas todo mês de novembro, no Dia de Ação de Graças, ela e a irmã mais nova acordavam de madrugada para se juntar aos pais na beira da baía de São Francisco.
Estava sempre gelado, sempre silencioso, pelo menos no começo.
Enquanto saltava do cais para a balsa, Tashina se lembra de ter ouvido a água batendo lá embaixo. Cobertores Pendleton e colchas de estrelas, estampadas com rajadas de cores radiantes, saíam das sacolas enquanto as famílias se amontoavam a bordo. E à medida que as luzes da rua e as torres da cidade desapareciam atrás deles, uma batida repentina de tambor romperia o silêncio.
Diante deles erguia-se uma rocha saliente, a Ilha de Alcatraz, emergindo das ondas. O ar parecia pesado de intenção enquanto o barco avançava.
“De repente, você tem esse sentimento, essa presença de espiritualidade e cerimônia – de que isso é algo sério que estamos fazendo”, lembra Tashina, agora com 51 anos.
“Mesmo que você não saiba com quem está, você se sente muito seguro porque todos estão lá com o mesmo propósito.”
Durante quase meio século, Alcatraz – mais conhecida pela sua infame prisão – acolheu uma tradição indígena anual: uma cerimónia do nascer do sol para saudar os primeiros raios de luz da manhã.
Para alguns, é um dia de agradecimento, um momento para homenagear os ancestrais indígenas e celebrar a sobrevivência contínua das nações tribais nas Américas.
Para outros, é um momento de “não-Ação de Graças”: uma resposta indígena às representações higienizadas da colonização associadas ao feriado de Ação de Graças.
Mas esta quinta-feira, enquanto o sol nasce mais uma vez em Alcatraz, os participantes de longa data temem que uma nova ameaça possa pôr fim ao encontro para sempre.
Em maio, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nas redes sociais que tinha ordenado ao Bureau of Prisons que “reabrisse uma ALCATRAZ substancialmente ampliada e reconstruída, para albergar os infratores mais cruéis e violentos da América”.
O plano foi amplamente denunciado como impraticável. A última penitenciária da ilha fechou em 1963 devido aos seus custos operacionais vertiginosos, que eram o triplo dos de outras prisões federais nos EUA.
Não existe nenhuma fonte local de água doce na ilha e os suprimentos básicos precisam chegar de barco. Uma estimativa coloca o preço para a reconstrução de Alcatraz em 2 mil milhões de dólares.
Ainda assim, Trump manteve que planeia avançar, enviando mesmo o seu secretário do Interior e o procurador-geral para examinar o terreno em julho.
Mas para Tashina, a perda da ilha significaria a perda de uma tradição espiritual que a liga a gerações de activistas indígenas, incluindo o seu pai, o fundador do Movimento Indígena Americano (AIM), Dennis Banks. Só o pensamento a enche de tristeza.
“Isso me deixou – e na verdade ainda me deixa – muito triste”, disse ela sobre a ordem de Trump. “Milhares e milhares de orações aconteceram naquele local. É um lugar sagrado.”

















