Esta semana, no campo de al-Afad, no Sudão, onde centenas de famílias chegaram depois de fugirem da queda de el-Fasher, sentei-me com uma mãe que tinha viajado milhares de quilómetros com a sua filha de cinco anos e a sua mãe idosa. Sua filha havia sido submetida a uma cirurgia cerebral em um hospital militar antes de ser deslocada. Agora ela senta-se calmamente ao lado da mãe – dócil, desapegada, já não brinca como as crianças deveriam. A mãe falou de espancamentos, de corpos deixados ao longo da estrada, de pessoas fracas demais para continuarem, rastejando e construindo trincheiras improvisadas para escapar da detecção por drones. A maioria dos homens foi morta ou impedida de partir. De alguma forma, ela conseguiu chegar a al-Afad, mas as lágrimas caíram-lhe dos olhos enquanto ela traçava a cicatriz da filha e falava de Dezembro – sobre se conseguiria chegar ao hospital a tempo para a próxima consulta da filha.

Sua história não é única. Desde Abril de 2023, quase 10 milhões de pessoas foram deslocadas no Sudão, na maior crise de deslocação do mundo, enquanto mais de quatro milhões fugiram através das fronteiras. Em Darfur e no Kordofans, comunidades inteiras estão a ser desenraizadas, civis são alvo de ataques e serviços essenciais destruídos.

Após um cerco de 18 meses, a queda de el-Fasher desencadeou novas atrocidades: assassinatos com base étnica, violência sexual e ataques deliberados a civis. Estas não são apenas tragédias. De acordo com uma missão de investigação das Nações Unidas, trata-se de violações dos direitos humanos e de crimes internacionais. Os civis não são moeda de troca. Têm de ser protegidos e o acesso humanitário deve ser garantido.

O Sudão já foi uma encruzilhada de oportunidades. Migrantes de toda a África e do Médio Oriente vieram para estudar, trabalhar e construir negócios. Suas cidades eram vibrantes e cosmopolitas, e suas universidades estavam entre as melhores da região. Hoje, essas mesmas estradas estão cheias de pessoas que fogem na direção oposta. Um número crescente de sudaneses aparece agora na Líbia e noutros locais, arriscando as suas vidas em busca de segurança e trabalho. Um país que antes oferecia refúgio é agora uma fonte de fuga.

No entanto, mesmo no meio da devastação, muitos sudaneses tentam regressar. Em Cartum, Sennar e Gezira, as famílias estão a regressar aos bairros destruídos e às casas saqueadas. O seu regresso não é um gesto de resistência, mas uma declaração de intenções: as pessoas querem reconstruir. Eles querem paz.

Mas a determinação por si só não pode reconstruir uma nação. O Sudão precisa urgentemente de duas coisas: paz e acesso. As organizações humanitárias devem poder chegar aos civis isolados pelos combates para fornecer alimentos, medicamentos e protecção. A fome e as doenças são iminentes e, quanto mais tempo for negado o acesso, maior será o custo em vidas.

Na Organização Internacional para as Migrações, estamos a trabalhar em conjunto com os nossos parceiros para satisfazer necessidades urgentes, fornecendo materiais de abrigo, kits de higiene, alimentos e cuidados de saúde móveis, ao mesmo tempo que rastreamos os deslocamentos em todo o país para orientar uma resposta mais ampla. Mas sem corredores seguros, sem garantias de segurança, mesmo a operação de ajuda com melhores recursos será insuficiente.

A ajuda humanitária só pode manter a linha; não pode acabar com a guerra. O crescente défice de financiamento global não tem apenas a ver com dinheiro. O único caminho sustentável a seguir é um cessar-fogo negociado e um processo político inclusivo que reúna as partes beligerantes do Sudão à mesa de negociações. Os intervenientes regionais e internacionais devem utilizar todos os instrumentos disponíveis – diplomáticos, económicos e jurídicos – para promover a paz e a responsabilização.

Se a paz criar raízes, o Sudão poderá recuperar. A sua terra é fértil, a sua gente capaz, o seu potencial imenso. Dentro de uma década, o Sudão poderá novamente alimentar-se e contribuir para a prosperidade da região. Mas a recuperação exigirá um envolvimento internacional sustentado – não apenas ajuda de emergência, mas investimento na governação, educação e meios de subsistência que permitam às pessoas viver com dignidade.

A mãe que conheci no campo de al-Afad ainda espera que a filha chegue à próxima consulta no hospital. A sua esperança, tal como a do Sudão, depende apenas de uma coisa: que o mundo não desvie o olhar. Essa esperança é frágil, mas não perdida. É responsabilidade do mundo mantê-lo vivo – abrindo o acesso, mobilizando recursos e insistindo na paz.

O povo do Sudão já carregou este fardo durante tempo suficiente. É hora do mundo agir.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial da Al Jazeera.

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